O ditado “conhecer é poder” é confirmado diariamente na vida social.
Aliás, o inverso também. E quanto ao conhecimento gnóstico? É verdade que
existe um conhecimento que ultrapassa o entendimento humano?
Comecemos por dirigir nossa atenção para os conceitos de “saber” e
“aprender”. Aprender significa normalmente adquirir informações e armazená-las.
O saber obtido do
exterior é guardado na memória, onde fica à nossa disposição em caso de
necessidade, desde que continue acessível.
Esse é um modo
intelectual de aprendizagem. Ele traz um conhecimento limitado pelo tempo.
O acúmulo de
conhecimentos resulta das atividades do eu que, do berço ao túmulo, é voltado
para o exterior e orientado para este mundo.
É daí que provém a
civilização materialista e também a política, a ciência, a vida social.
Esse tipo de saber
inspira respeito e sua utilização eficiente nos relacionamentos com as outras
pessoas dá poder sobre elas.
Nesse sentido, o conhecimento
é, de fato, um poder.
O saber limitado do eu,
no entanto, podemos nos perguntar em vista da história da humanidade: pode esse
conhecimento auxiliar na resolução dos enigmas da existência?
Encontraremos a verdade
aprendendo as respostas das principais perguntas?
Poderemos algum dia
responder a perguntas do tipo: Quem somos? De onde viemos? Para onde vamos?
A experiência não cessa
de nos ensinar o quanto é limitado o saber que o eu adquire.
Sempre vemos os limites
desse saber, mesmo quando temos a impressão de tê-los ultrapassado, por
exemplo, com o uso de drogas, o que é uma ilusão, porque depois de todo prazer,
a vida comum diária volta à tona, com todos os seus problemas.
Não é a vida com seus
problemas nada mais que um percurso absurdo do combatente?
Ou há outra forma de
saber que eleva o homem acima de suas angústias e de suas preocupações
cotidianas?
Um saber que é adquirido
por meio de uma aprendizagem diferente; um saber que sempre acompanhou a
humanidade ao longo de sua caminhada e sempre foi ensinado nos diversos e
seletos caminhos da Tradição.
Um saber que se apoia na
rememoração e diz respeito ao homem em sua totalidade, um saber não restrito ao
intelecto, mas que se estende até à alma?
A alma é o princípio
vital, o plano que serve de base para a existência humana. Um plano que abarca
tudo e ultrapassa de longe o entendimento normal; atravessa as fronteiras do
espaço e do tempo e reconduz o homem à eternidade.
Hoje a alma está tão
rebaixada que já não pode realizar seu destino.
Por isso é preciso fazer
a distinção entre a alma presa a terra, a alma natural e a alma ligada à vida
divina, a alma divina e imortal.
A primeira busca o
sentido da vida, a segunda o conhece.
A primeira mede a vida
pelas sensações e com o auxílio do entendimento e da consciência – eu.
A segunda, tirada da
eternidade, não tem o mínimo vínculo com normas terrestres; ela contém o
começo e o fim, como a semente encerra a planta inteira. Para ela, o tempo não
existe; há somente fases de desenvolvimento que tornam possível o desabrochar
na eternidade.
As palavras “desenvolver”
e “desabrochar” indicam que algo, que sempre existiu, entra em manifestação, se
liberta.
A alma natural é um
sistema muito complexo do qual a inteligência pode apenas sondar algumas
porções.
A alma imortal não pode
de forma nenhuma ser captada pela inteligência da qual ela ultrapassa os
limites.
Entretanto, todos os
homens têm a capacidade de libertar a alma imortal.
Todavia, o espaço e o
tempo limitam a consciência natural e impedem a manifestação da alma imortal.
O ser humano é totalmente
dominado pelo intelecto, que é influenciado por simpatias e antipatias.
Sua alma natural não
permite nenhuma relação com a verdadeira vida.
Privado dessa relação, o
homem permanece, apesar de toda felicidade que pode viver insatisfeito e
descontente.
Cada homem é um arquiteto
que recebeu materiais de construção dos quais ignora a finalidade.
Ele conhece o sentido de
sua existência? Estudou o plano dessa existência?
A alma encerra o plano de
vida descobrir o sentido de nossa vida, compreender nossa missão, exige que nos
desprendamos dos conhecimentos impostos e aprendidos, e que nos tornemos
conscientes da alma original, pois ela encerra o plano de vida, o plano de
construção, assim como o conhecimento que permite a sua execução.
É preciso antes de tudo
libertar esse conhecimento para poder executar o plano.
Como proceder? Quem ainda
está consciente da alma original e imortal?
Para muitos o
conhecimento em questão está perdido.
O primeiro passo no
caminho que liberta dos limites do egocentrismo é compreender que a vida e a
alma natural estão presas nos limites do espaço e do tempo.
É por isso que a Tradição
recomendam a seus buscadores que busquem as leis e as forças que formam e regem
o mundo e o homem, a fim de chegar ao verdadeiro conhecimento e voltar a se
lembrar da verdadeira vida.
O ser humano está
totalmente restrito às imagens geradas pelo espaço tempo e está sob sua
influência.
A existência se divide em
ciclos, anos, semanas, horas, segundos.
Sempre temos muito ou
muito pouco tempo.
Estamos sempre presos aos
limites de nossas lembranças e de nossos projetos futuros.
Muito raramente vivemos
no presente.
Além disso, o homem está
estritamente encurralado nas suas experiências.
Seu corpo, sua família,
seu trabalho, seu pequeno mundo, o mundo do universo. Não há nenhuma
escapatória.
O espaço e o tempo são as
fronteiras da existência.
No interior das
fronteiras, tudo obedece à lei dos opostos: o acima supõe o abaixo; o grande
implica o pequeno; a luz, as trevas; a inteligência, a tolice; o feminino, o
masculino; a vida, a morte; a guerra, a paz. A lista não tem fim.
Todas as flores que se
abrem e florescem estão fadadas a murchar.
Os opostos estão em
relação com o espaço-tempo, dimensões que são leis, e as leis criam a ordem.
Não uma ordem teórica, mas uma ordem que se demonstra por uma força de correção
inelutável.
Como indivíduo ou como
grupo, se negligenciamos ou rejeitemos essa ordem, deveremos aceitar as
consequências, esperando que sejam o resultado de uma justa avaliação!
Cada um de nós sabe que
deve morrer um dia. És pó e ao pó voltará como é dito na Bíblia. Nada podemos
contra essa lei.
Por que a morte causa um
sentimento desagradável, embora nos submetamos sem problemas a outras leis
naturais?
Será que algo como uma
reminiscência da vida original se reflete em nós?
Pressentimos que algo no
mais profundo de nosso ser é imortal?
Que algo continua a viver
depois da morte física? Tentai relembrar: o que é a imortalidade, a eternidade?
Nada podemos dizer sobre
isso, pois a fronteira entre o mortal e o imortal é intransponível.
No Novo Testamento é
dito: “Meu reino não é deste mundo e A carne e o sangue não podem herdar o
reino de Deus.”
A primeira proposição,
Meu reino não é deste mundo, mostra que há dois reinos, o reino de Deus e o
mundo material.
Há, portanto, duas leis
ou ordens de natureza: por um lado, a lei do espaço-tempo, a lei da polaridade
que se aplica a todos os domínios deste mundo, incluindo ao amor “divino”; por
outro lado, a lei da eternidade, a lei do amor divino verdadeiro.
Como reconhecer e
experimentar a ordem da eternidade?
Para responder a essa
pergunta é preciso buscar o sentido da vida no espaço e no tempo.
Este mundo é a escola de
aprendizagem da eternidade.
O homem aprende, aqui,
pela experiência, que o amor humano não traz a realização. Essa constatação
desperta nele o desejo de um Amor que transcenda a forma mais elevada de amor
terreno. É nele que estão inscritas as leis da eternidade.
A natureza é o manual de
instrução de Deus. As leis da eternidade aí estão inscritas; e o homem está no
meio delas, mas ele não se questiona, pois tem coisas mais importantes a fazer…
Por que sempre nos focar
na solução de nossos problemas? O que se interpõe no nosso caminho: o eu ou a
alma? O que faz que nos esquivemos da solução?
Quem nunca tem tempo de
se aprofundar na lei divina?
Quem se sente limitado?
Quem tem medo da morte?
Não é o eu que retém a
alma prisioneira? Resposta: pois é, eu sou como sou. Eu sou eu.
É assim que nos
desvencilhamos de nossos erros e nossos fracassos.
Então, é o eu a causa de
todos os problemas!
Como o eu se forma? Ele
se constitui a partir dos pensamentos, sentimentos e atos; é a soma dos três,
no presente e no passado, e é formado de todas as representações e percepções
que ele mesmo desperta.
Ele é o resultado das
ilusões que ele mesmo forja. Ele não tem substância própria e se enraíza nas
leis deste mundo dominando-as apenas por dádiva da eternidade, mas sem querer
ou poder reconhecê-lo.
Sob as leis do domínio de
vida original, ele derreteria como neve ao sol.
Para alcançar a unidade,
a eternidade, a verdade e o amor divino, o eu deve colocar-se em segundo plano.
E isso só é possível
quando o identificamos em nós mesmos, quando encontramos um ponto de vista
exterior ao eu.
Nossa personalidade
mortal não ama verdadeiramente a vida a não ser que tenha aceitado como única
realidade a vida imutável, cujo núcleo está em nós, e reconhecido que essa vida
está mais próxima do que pés e mãos e reside no silêncio do coração purificado.
A partir do momento em
que nossos esforços obstinados e incansáveis
de autoconservação são
vistos como aprendizagem da eternidade, já existe uma brecha nos limites do
espaço e tempo.
O caminho gnóstico é a
vereda ao longo da qual o verdadeiro conhecimento, a Gnosis, é revelado.
Pode levar tempo antes
que as artimanhas secretas sejam descobertas, examinadas sem ideias
preconcebidas e aceitas.
É uma via que exige uma
vigilância absoluta.
A consciência crescente
da alma verdadeira dá uma dimensão totalmente diferente à vida.
O auxílio necessário para
se orientar nessa nova dimensão chega sempre no momento certo.
Quem tem olhos para ver e
ouvidos para ouvir percebe os segredos do plano de Deus graças à nova
consciência.
Uma vida extraordinária
se manifesta, uma vida eterna no centro da existência transitória.
O homem é como um fruto
que encerra uma semente.
Quando a semente da
eternidade entra em manifestação, a vida eterna se torna um fato.
A sabedoria oriental
denomina a semente que está em ligação direta com o amor de Deus, a Gnosis, de
“a joia no lótus”.
Ao abrir-nos a ela
entramos na primeira fase dos mistérios cristãos: a da fé, que corresponde à
experiência do toque da eternidade no coração.
A segunda fase dos
mistérios cristãos é a da esperança, na qual a nova alma é percebida. A semente
começa a germinar. Uma nova faculdade se desenvolve, a do discernimento do bem
e do mal. O tenro broto transpassa as trevas terrenas, e estende-se para a Luz.
A esperança leva à
terceira fase dos mistérios cristãos: a do amor. A alma verdadeira renasceu;
ela é a nova lei.
A lei dos opostos é
reduzida a nada.
Deus e o homem são um. A
semente deu nascimento a uma planta que agora floresce.
É assim que o homem
retorna à perfeição divina.
A lei superior se
realiza, a lei inferior desaparece.
O conhecimento original,
a Gnosis, é revelado.
No prólogo de seu
Evangelho, João diz: “aos que o aceitam ele dá o poder de voltarem a ser filhos
de Deus.”
Aceitar esse broto, essa
semente de eternidade, abrir-lhe o espaço de nosso coração, faz-nos receber a
Gnosis, isto é, o autoconhecimento, o conhecimento da existência, o
conhecimento do objetivo da vida.
O conhecimento nesse
sentido é um poder além de todo e qualquer poder.
Ele revela o amor
verdadeiro que não é desse mundo.
A descoberta do Amor
marca o início do retorno à onipotência divina.
Na nova alma está
inscrito o plano de nosso destino.
Ele começa no cruzamento
entre o horizontal e o vertical. A ativação desse centro espiritual na força de
Cristo dá início ao processo de reviravolta, de reerguimento, ou seja, de
transfiguração.
O eterno começa a
desagregar o transitório.
A alma-eu mortal se
dissipa na alma do homem verdadeiro, o filho de Deus. A rosa floresce.
A reunião de Deus e do
homem vence a “queda original” e a polarização.
Essa elevada missão que
ultrapassa nosso entendimento aguarda cada um de nós.
Fraternalmente - Jesus Mihu Omnia