O CHACAL,
ANIMAL que tem o hábito de desenterrar ossos, de forma paradoxal representava
para os egípcios o deus Anúbis,
justamente a divindade considerada a guardiã fiel dos túmulos e patrono do
embalsamamento. Em algumas versões da lenda ele aparece como filho do deus Seth com sua esposa Néftis.
Entretanto, a versão mais comum é
a de que ele é filho de Osíris, que se
uniu com Néftis por tê-la confundido com sua esposa Ísis. Quando esta última deusa veio, a saber, do
nascimento da criança começou a procurá-la. Néftis, por temor a Seth,
escondeu-a logo após o parto. Guiada por cães, Ísis encontrou o recém-
-nascido depois de grandes e difíceis penas e encarregou-se de alimentá-lo e Anúbis se converteu em seu acompanhante e guardião. Dizia-se que estava destinado a guardar os deuses, assim como os cães guardam aos homens. No alto da página vemos o chacal envernizado, com garras de prata, que guardava a múmia de Tutankhamon (c. 1333 a 1323 a.C.). Na ilustração acima, um detalhe da dança marcial de três Anúbis na tumba do artífice Inherka, em Deir el-Medina.
-nascido depois de grandes e difíceis penas e encarregou-se de alimentá-lo e Anúbis se converteu em seu acompanhante e guardião. Dizia-se que estava destinado a guardar os deuses, assim como os cães guardam aos homens. No alto da página vemos o chacal envernizado, com garras de prata, que guardava a múmia de Tutankhamon (c. 1333 a 1323 a.C.). Na ilustração acima, um detalhe da dança marcial de três Anúbis na tumba do artífice Inherka, em Deir el-Medina.
REPRESENTADO POR UM CHACAL ou por um cão deitado, ou ainda pela figura de
um homem com cabeça de chacal ou de cão, o deus Anúbis (Anpu em
egípcio) era o embalsamador divino e um dos responsáveis pelo julgamento dos
mortos no além-túmulo. No reino dos mortos, na forma de um homem com cabeça de
chacal, ele era o juiz que, após uma série de provas por que passava o defunto,
dizia se este era justo e merecia ser bem recebido no além-túmulo ou se, ao
contrário, seria devorado por um terrível monstro. Anúbis tinha seu centro de
culto em Cinópolis, cidade do Alto Egito e recebia títulos exóticos como, por
exemplo, morador na câmara de embalsamamento, governador da sala do deus ou senhor
das colinas do oeste.
O DEFUNTO, TRAJANDO UM VESTIDO DE LINHO, era introduzido por Anúbis
no grande recinto onde o julgamento seria realizado. Saudava, então, a todos os
deuses presentes. Depois, pronunciava uma longa declaração de inocência formada
por frases negativas:
Não
pratiquei pecados contra os homens.
Não maltratei os meus parentes.
Não obriguei ninguém a trabalhar além do que era legítimo.
Não deixei de pagar minhas dívidas.
Não insultei os deuses.
Não fui a causa dos maltratos de um senhor ao seu escravo.
Não pratiquei enganos com o peso da minha balança.
Não causei a fome de ninguém.
Não fiz ninguém chorar.
Não maltratei os meus parentes.
Não obriguei ninguém a trabalhar além do que era legítimo.
Não deixei de pagar minhas dívidas.
Não insultei os deuses.
Não fui a causa dos maltratos de um senhor ao seu escravo.
Não pratiquei enganos com o peso da minha balança.
Não causei a fome de ninguém.
Não fiz ninguém chorar.
Não matei ninguém.
Não pratiquei fraudes na medição dos campos.
Não subtrai o leite da boca das crianças.
E assim por diante, alegando que tinha vivido
sempre à altura dos padrões de conduta impostos pelos homens e pelos deuses.
ENQUANTO O MORTO FAZIA SUA DECLARAÇÃO, Anúbis ajoelhava-se junto a uma
grande balança colocada no meio do salão e ajustava o fiel com uma das mãos, ao
mesmo tempo em que segurava o prato direito com a outra. O coração do finado
era colocado num dos pratos e, no outro, uma pena, símbolo de Maat, a deusa verdade.
O coração humano era considerado pelos egípcios a sede da consciência.
A figura acima, de um papiro do Livro dos Mortos, da XVIII dinastia, conservado no Museu de Turim, ilustra bem essa cena. Aqui podemos ver Anúbis pesando o coração de uma sacerdotisa. O órgão foi posto no prato da esquerda, enquanto que no prato da direita está uma figura que representa a verdade. No alto da balança o deus Thoth, tendo a aparência de um babuíno, anota o resultado. Também podemos ver uma mesa com oferenda de um quarto de carne.
A figura acima, de um papiro do Livro dos Mortos, da XVIII dinastia, conservado no Museu de Turim, ilustra bem essa cena. Aqui podemos ver Anúbis pesando o coração de uma sacerdotisa. O órgão foi posto no prato da esquerda, enquanto que no prato da direita está uma figura que representa a verdade. No alto da balança o deus Thoth, tendo a aparência de um babuíno, anota o resultado. Também podemos ver uma mesa com oferenda de um quarto de carne.
É CLARO QUE SEMPRE HAVIA A POSSIBILIDADE, ainda que remota, do
coração desmentir o seu dono e falar mal dele. Contra tal perigo foi composta a
invocação que se lê no Capítulo XXX do Livro dos Mortos:
Ó
meu coração, minha mãe; ó meu coração, minha mãe! Ó meu coração de minha
existência sobre a terra. Nada se erga em oposição a mim no julgamento perante
os senhores do tribunal; não se diga de mim nem do que eu tenho feito,
"Ele praticou atos contra o justo e o verdadeiro"; nada se volte
contra mim na presença do grande deus, senhor de Amentet. Homenagem a ti, ó meu
coração! Homenagem a ti, ó meu coração! Homenagem a vós, ó meus rins! Homenagem
a vós, ó deuses que assistis nas divinas nuvens, e sois exaltados (ou sagrados)
graças aos vossos cetros! Falai [por mim] coisas
justas a Rá, e fazei que eu prospere diante de Neebca. E contemplai-me, ainda
que eu esteja preso à terra nas suas partes mais íntimas, consenti que eu
permaneça sobre ela e não me deixeis morrer em Amentet, mas me torne uma Alma
Imortal dentro dela.
ASSIM, AO SER PESADO O coração contra a verdade,
verificava-se a exatidâo dos protestos de inocência do defunto. Como as
negativas vinham de seus próprios lábios, ele seria julgado pelo confronto com
o seu próprio coração na balança. Se este se igualasse com a verdade, tudo
correria bem e o defunto seria bem-vindo no além-túmulo; caso contrário, o
morto estaria cheio de pecados e, então, seria comido por um terrível monstro: Ammut, o devorador dos mortos, visto aqui em um detalhe do papiro do Livro dos Mortos do escriba Ani. Felizmente, os papiros sugerem que o
morto em juízo era sempre absolvido. O tal monstro devia passar fome.
A CABEÇA DO CHACAL também era personificação de Duamutef, um dos quatro filhos de Hórus. Como tal aparecia na tampa do vaso canopo que abrigava o estômago do
morto. Uma delas pode ser vista abaixo. É da época raméssida, de proveniência
desconhecida, confeccionada em faiança egípcia, tem 17 cm de altura por 16 cm
de largura e pertence ao acervo do Museu do Louvre. A egiptóloga Elisabeth
Delange assim a descreve: A técnica sofisticada da faiança apresenta
com realismo a pele preta brilhante do cão, com focinho alongado, com orelhas
em pé, com uma peruca azul-marinho adornada com a fita vermelha ao redor do
pescoço. Esta é a iconografia do cão selvagem que ronda os limites do deserto,
o guardião do cemitério, o deus Anúbis, "Senhor-da-Necrópole". Anúbis,
o patrono dos embalsamadores, é aquele que acompanha a alma do morto em sua
última morada, usando uma peruca humana de mechas regulares, como nesta tampa.
A assimilação se tornou clássica entre os dois cães funerários, Anúbis e
Duamutef, ligados ambos à mumificação.
CADA COR ERA DOTADA de um valor simbólico — prossegue a autora —, pois
o cão lobo errante do Egito raramente era preto. Esta cor escura evoca de
maneira simbólica a terra arável depositada pela inundação, anunciadora da vida
e da fecundidade. E pela consequência de toda gestação, por um renascimento. O
betume e as resinas escuras de acácia que entravam na composição dos produtos
de mumificação, serviam também como revestimento protetor dos sarcófagos, aromatizavam as estátuas dos deuses da
fertilidade, e ainda podiam recobrir de forma benéfica as estátuas de culto.
ROBERTO DE JESUS SANT´ANNA - M\M\
GOB/GOSP - R\E\A\A\
Excelente estudo, parabéns por esse blog
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